Minha avó costuma dizer que, se quer adoçar a boca de uma mãe, basta colocar uma bala na do seu filho. Eu não tenho filhos, mas não é preciso tê-los para saber que essa é uma verdade quase universal, assim como o é seu extremo oposto. Mexa com um filho e terá uma mãe exponencialmente enfurecida.
Crianças não devem viver reclusas numa redoma de vidro, mas devem ser preservadas de um tanto de idiotices que o mundo "adulto" possui. Nós, adultos, complicamos as coisas ao extremo, criando parâmetros que bem ou mal, fundamentam os preconceitos, a normalidade, o conforto e a desigualdade. Crianças não precisam ser vitimadas por esse mundo, ao menos não em uma fase onde o bom da vida é justamente ser criança.
Mas essa não é a realidade. Idiotice-mor agora tem nome: bullying (veja aqui minha participação na coletiva proposta pela Vanessa, do Mãe é tudo igual), e acontece cada vez mais cedo. Nas últimas semanas, dois fatos me chamaram a atenção, são relatos de crianças que sofreram bullying por serem diferentes, por cruzarem uma linha muitas vezes tênue e que, ao fazerem isso, tornaram-se alvos fáceis.
Boo, um garoto de cinco anos, pediu a mãe que comprasse para o Halloween uma fantasia da Daphne, personagem do desenho ScoobyDoo. A mãe estranhou o pedido, e Boo também se mostrou preocupado com a reação das outras crianças, pois poderiam rir dele. Como toda mãe, a de Boo disse que, se rissem, era por ele estar engraçado. Claro que as coisas não correram tão calmamente assim. Diz a mãe de Boo, em seu blog:
“As únicas pessoas que pareciam se importar eram mães. Se minha filha estivesse vestida de Batman, ninguém daria a mínima. Foi de partir o coração ver que meu garoto tão doce e gentil tinha razão de ter ficado preocupado. (…) Ele está aprendendo como navegar nesse grande, e às vezes cruel, mundo. Eu odeio o fato daquelas mulheres terem pensando o que pensaram e muitas terem dito em alto e bom som. Eu odeio que o rosa seja considerado uma cor exclusivamente feminina e odeio que meu filho tenha que ser tão corajoso para vestir uma fantasia de Daphne no Halloween. O que desejo para meus filhos e também para os filhos dessas mães, é que eles sejam felizes. Se meu filho quer vestir um vestido de veludo e carregar uma bolsa numa festa ou, um dia, decidir se casar com um homem, ok. Meu trabalho com mãe não é decidir que tipo de homem ele quer ser, mas ajudá-lo nesse caminho (grifo meu). Não tenho que ditar o que é “normal”e o que não é, mas orientá-lo a ser uma boa pessoa. (…) Meu pequeno homenzinho vestiu aquela fantasia como ninguém e arrebentou com aquela peruca. E eu não iria querê-lo de nenhum outro jeito”.
Para Katie, o motivo foi ainda mais ridículo, o que em nada minimiza a repulsa que deve ser sentida pelo episódio. A menina, que foi adotada pela família, é fã de Star Wars e foi ridicularizada pelos colegas de escola por tomar água em uma garrafa temática, o que seria, segundo os agressores, coisa de menino. A menina pediu a mãe outra garrafa, agora uma cor-de-rosa. Percebendo algo errado, a mãe conversou com Katie, que lhe contou os reais motivos:
“Os garotos da primeira série estão me provocando no almoço porque eu tenho uma garrafa do Star Wars. Eles dizem que é só pra meninos. Todo dia eles fazem graça de mim por beber nela. Quero que eles parem, então vou só levar uma garrafa de água rosa.”
Depois que a mãe disse que não havia problemas em ser diferente, a menina respondeu:
Eu não quero ser muito diferente, eu já sou diferente. Ninguém mais na minha sala usa óculos, e ninguém mais foi adotado. Agora eu sou mais diferente, por causa da minha garrafa de Star Wars.
Mas que porra de mundo é esse? Nem as crianças escapam? Sou de um tempo onde criança era blindada contra esse tipo de coisa. No caso de Boo, segundo o relato de sua mãe, o preconceito maior partiu dos outros pais. Não é preciso ser um gênio para imaginar que tipo de adulto os filhos deles serão. Assim se perpetua a idiotice... e os idiotas.
Ambas as mães receberam mensagens de apoio na internet. A hashtag #MayTheForceBeWithKatie foi postada no Twitter para dar uma força (trocadilho detectado) para Katie, mas quem é que pode mensurar os estragos que já foram feitos? O triste de tudo isso é que, cada vez mais cedo, o mundo se apresenta na sua pior forma.
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7 comentários:
Luciano, vc deve ter vivido num lugar muito bom. Qdo eu era criança tive um amigo que era considerado diferente ( a maioria dos meninos e algumas meninas desconfiava que ele fosse gay) . Lembro de uma vez em que ele foi com uma camiseta regata por baixo da camisa da escola ( que na época era semi transparente) e os meninos espalharam que ele estava usando sutiã. Veja só que absurdo antigamente ( um pouco mais antigamente que minha infância) os homens usavam camiseta por baixo da camisa. Esse episódio virou uma espécie de lenga urbana na escola. Ainda hoje acredita-se que ele usava sutiã. A estupidez humana não tem limites, meu amigo. Uma pena.
Excelente post, vou tuitar.
bjs
Vanessa,
É verdade: em cidade pequena - e onde cresci e vivo é muito pequeno - as coisas podem acontecer de maneira diferente. De forma geral a animosidade é bem menor, apesar de também existir.
Beijo.
O que eu acho é que crianças podem ser muito cruéis. Quem foi que disse a elas que ser gordo é ruim? Às vezes, ninguém. Ou os coleguinhas mesmo. Às vezes, o único papel dos pais nisso é não estarem sempre observando de perto essas crianças para impedi-las de maltratar alguém. Claro que os pais implantam seus preconceitos nos filhos, mas isso nem sempre é o motivo do bullying.
Isso é o que eu observei quando era criança.
Marina,
Pois é, concordo que exista a maldade infantil, mas ainda acho que o comportamento dos pais influenciam e muito no processo todo. De qualquer forma, independente das motivações, é uma experiência traumática.
ai, quando eu era criança adorava dançar a Gretchen... sem maldade.
Na verdade, a maldade esta nos olhos de quem ve.
Com certeza Mauri, a maldade está nos olhos de quem vê.
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